9 dezembro 2024

Rastreabilidade: um meio e não um fim em si mesma

No mundo das commodities agrícolas, há um grande foco na rastreabilidade no momento. As exigências do mercado consumidor, tanto voluntárias quanto regulatórias, estão gerando uma preocupação em todo o setor com a rastreabilidade até a origem. O Regulamento de Desmatamento da UE (EUDR) exigirá a rastreabilidade até a fazenda como parte da avaliação de due diligence para as principais commodities, incluindo soja, café, cacau, carne bovina, couro e óleo de palma. A rastreabilidade corre o risco de se tornar um fim em si mesma, em vez de algo que nos ajude a causar impacto no território e a transformação setorial que precisamos ver. 

Então, por que precisamos da rastreabilidade? Em nosso trabalho, queremos identificar a origem de um produto agrícola para entender como ele foi produzido. Os consumidores, no fim da cadeia, querem saber sobre as condições de produção - desmatamento, trabalho infantil e direito à terra são normalmente foco dos questionamentos. Cada vez mais vemos a rastreabilidade vinculada à agenda climática e às reivindicações de resultados climáticos (claims); se você quiser contabilizar suas emissões de Escopo 3 - o carbono emitido em seu processo de produção - você precisa saber o que está acontecendo em sua cadeia de suprimentos. Portanto, a rastreabilidade é importante. 

Entretanto, se você quiser agir para mudar as condições de produção - evitar o desmatamento, eliminar o trabalho infantil, garantir que os direitos à terra sejam respeitados - a rastreabilidade só é útil até o nível em que você já pode agir. Além disso, ela se torna facilmente uma distração e algo que pode consumir muito tempo e dinheiro que poderiam ser gastos na resolução de problemas em nível local. E isso geralmente significa intervenções para além de uma única cadeia de suprimentos. 

Então, qual é o nível certo? Acreditamos que as empresas - e os órgãos reguladores - devem adotar uma abordagem baseada em riscos para incentivar o investimento no nível adequado de ação. 

Por exemplo, se você estiver tentando evitar que a carne bovina proveniente de terras recentemente des florestadas entre na cadeia de suprimentos e estiver comprando de uma região sem desmatamento relacionado ao gado (ou sem floresta), como o Uruguai ou a Escócia, a rastreabilidade completa não é essencial. Mesmo que você identifique a origem como uma área com desmatamento, impulsionada não apenas pela commodity que você compra, mas também por outros fatores, como especulação de terras, agricultura de subsistência ou mineração, a rastreabilidade total e a ação em nível de fazenda ou plantação individual não impedirão o desmatamento. Isso precisa ser abordado em nível de paisagem, por meio do envolvimento da comunidade e dos agricultores, ações governamentais, educação, incentivos e aplicação da lei.

Na produção de açúcar, vemos empresas buscando rastreabilidade total além das usinas para eliminar o trabalho forçado de suas cadeias de suprimentos. No entanto, se o trabalho forçado for sistêmico em uma região, não há como garantir que alguma cadeia de suprimentos está completamente livre disso. As usinas mudam de fornecedor ou compram no mercado spot de fazendas não rastreadas. Uma questão sistêmica precisa de uma resposta sistêmica em um nível que realmente resolva o problema

 E esse nível útil e viável de rastreabilidade varia de acordo com a mercadoria, a região e a dinâmica da cadeia de suprimentos. 

No caso do óleo de palma, a rastreabilidade até a planta extratora oferece uma oportunidade de abordar várias questões: a própria extratora e como ela se relaciona e apóia seus produtores independentes ou em associados à planta. A fábrica pode ser o nível mais adequado para envolver os produtores e tomar medidas em relação a várias questões de sustentabilidade. Mas trabalhar com pequenos produtores independentes que não estão vinculados a uma planta extratora pode ser mais difícil. Nestes casos, conhecer o lote de cada agricultor é menos importante para a promoção de mudanças do que rastrear até o vilarejo, pois, para promover mudanças reais, é preciso trabalhar com a comunidade, a associação ou a liderança.

A rastreabilidade deve ser vista como um meio para atingir um fim. É um componente importante e útil para permitir que as empresas se envolvam em um nível que apoie mudanças reais nas práticas de produção. Quando ela se torna um fim em si mesma, buscada principalmente para fins de conformidade legal, corre o risco de simplesmente excluir os produtores que não estão em conformidade, em vez de promover mudanças na prática. 

A verdadeira transformação setorial exige uma mudança de mentalidade (e talvez também de regulamentação) que promova a responsabilidade da cadeia de suprimentos como parte da solução, empregando a rastreabilidade em um nível que permita a ação na escala adequada.


Os Proforest Insights baseiam-se em nossos 25 anos de experiência prática em fornecimento e produção responsáveis de commodities agrícolas e florestais. Este Insight faz parte de uma série da liderança sênior da Proforest. A série completa está disponível aqui.